Ah, quanta vez, na hora suave - Fernando Pessoa


Ah, quanta vez, na hora suave 
Em que me esqueço, 
Vejo passar um voo de ave 
E me entristeço!
Por que é ligeiro, leve,  certo 
No ar de amavio? 
Por que vai sob o céu aberto 
Sem um desvio?

Por que ter asas simboliza 
A liberdade 
Que a vida nega e a alma precisa? 
Sei  que me invade

Um horror de me ter que cobre 
Como uma cheia 
Meu coração, e entorna sobre 
Minh'alma alheia 
Um desejo, não de ser ave,  
Mas de poder 
Ter não sei quê do voo suave 
Dentro em meu ser.  
  
Fernando Pessoa