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O que diz a morte - Antero de Quental
O que diz a morte
(Antero de Quental)
Deixai-os vir a mim, os que lidaram;
Deixai-os vir a mim, os que padecem;
E os que cheios de mágoa e tédio encaram
As próprias obras vãs, de que escarnecem...
Em mim, os Sofrimentos que não saram,
Paixão, Dúvida e Mal, se desvanecem.
As torrentes da Dor, que nunca param,
Como num mar, em mim desaparecem. -
Assim a Morte diz. Verbo velado,
Silencioso intérprete sagrado
Das cousas invisíveis, muda e fria,
É, na sua mudez, mais retumbante
Que o clamoroso mar; mais rutilante,
Na sua noite, do que a luz do dia.
Mea culpa - Antero de Quental
Mea culpa
(Antero de Quental)
Não duvido que o mundo no seu eixo
Gire suspenso e volva em harmonia;
Que o homem suba e vá da noite ao dia,
E o homem vá subindo insecto o seixo.
Não chamo a Deus tirano, nem me queixo,
Nem chamo ao céu da vida noite fria;
Não chamo à existencia hora sombria;
Acaso, à ordem; nem à lei desleixo.
A Natureza é minha mãe ainda...
É minha mãe... Ah, se eu à face linda
Não sei sorrir: se estou desesperado;
Se nada há que me aqueça esta frieza;
Se estou cheio de fel e de tristeza...
É de crer que só eu seja o culpado!
Só males são reais, só dor existe - Antero de Quental
Só males são reais, só dor existe:
Prazeres só os gera a fantasia;
Em nada[, um] imaginar, o bem consiste,
Anda o mal em cada hora e instante e dia.
Se buscamos o que é, o que devia
Por natureza ser não nos assiste;
Se fiamos num bem, que a mente cria,
Que outro remédio há [aí] senão ser triste?
Oh! Quem tanto pudera que passasse
A vida em sonhos só. E nada vira...
Mas, no que se não vê, labor perdido!
Quem fora tão ditoso que olvidasse...
Mas nem seu mal com ele então dormira,
Que sempre o mal pior é ter nascido!
Antero de Quental
Anima Mea - Antero de Quental
Anima Mea
(Antero de Quental)
Estava a Morte ali, em pé, diante,
Sim, diante de mim, como serpente
Que dormisse na estrada e de repente
Se erguesse sob os pés do caminhante.
Era de ver a fúnebre bachante!
Que torvo olhar! que gesto de demente!
E eu disse-lhe: «Que buscas, impudente,
Loba faminta, pelo mundo errante?»
— Não temas, respondeu (e uma ironia
Sinistramente estranha, atroz e calma,
Lhe torceu cruelmente a boca fria).
Eu não busco o teu corpo... Era um troféu
Glorioso de mais... Busco a tua alma —
Respondi-lhe: «A minha alma já morreu!»
Lacrimae Rerum - Antero de Quental
Lacrimae Rerum
(Antero de Quental)
Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!
Aonde são teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza que o conforte?
Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas...
É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas...
Elogio da morte - Antero de Quental
Elogio da morte
(Antero de Quental)
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.
Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afuguente
Algum remorso, com que encara a custo...
Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte...
Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.
II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.
Atravesso, no escuro, a névoa fria
D'um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.
Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!
N'esta viagem pelo ermo espaço,
Só busco o teu encontro e o teu abraço,
Morte! irmão do Amor e da Verdade!
III
Eu não sei quem tu és — mas não procuro
(Tal é minha confiança) devassá-lo.
Basta sentir-te ao pé de mim, no escuro,
Entre as formas da noite, com quem falo.
Através do silêncio frio e obscuro
Teus passos vou seguindo, e, sem abalo,
No cairel dos abismos do Futuro
Me inclino à tua voz, para sondá-lo.
Por ti me engolfo no nocturno mundo
Das visões da região inominada,
A ver se fixo o teu olhar profundo...
Fixá-lo, compreendê-lo, basta uma hora,
Fúnera Beatriz de mão gelada...
Mas única Beatriz consoladora!
IV
Longo tempo ignorei (mas que cegueira
Me trazia este espírito nublado!)
Quem fosses tu, que andavas a meu lado,
Noite e dia, impassíel companheira...
Muitas vezes, é certo, na cansira,
No téio extremo d'um viver magoado,
Para ti levantei o olhar turvdo,
Invocando-te, amiga derradeira...
Mas não te amava então nem conhecia:
Meu pensamento inerte nada lia
Sobre essa muda fronte, austera e calma.
Luz íntima, afinal, alumiou-me...
Filha do mesmo pai, já sei teu nome,
Morte, irmã co-eterna da minha alma!
V
Que nome te darei, austera imagem,
Que avisto já n'um angulo da estrada,
Quando me desmaiava a alma prostrada
Do cansaço e do tédio da viagem?
Em teus olhos vê a turba uma voragem,
Cobre o rosto e recua apavorada...
Mas eu confio em ti, sombra velada,
E cuido perceber tua linguagem...
Mais claros vejo, a cada passo, escritos,
Filha da noite, os lemas do Ideal,
Nos teus olhos profundos sempre fitos...
Dormirei no teu seio inalterável,
Na comunhão da paz universal,
Morte libertadora e inviolável!
VI
Só quem teme o Não-ser é que se assusta
Com teu vasto silêncio mortuário,
Noite sem fim, espaço solitário,
Noite da Morte, tenebrosa e augusta...
Eu não: minh'alma humilde mas robusta
Entra crente em teu átrio funerário:
Para os mais és um vácuo cinerário,
A mim sorri-me a tua face adusta.
A mim seduz-me a paz santa e inefável
E o silêncio sem par do Inalterável,
Que envolve o eterno amor no eterno luto.
Talvez seja peccado procurar-te,
Mas não sonhar contigo e adorar-te,
Não-ser, que és o Ser único absoluto.
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