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Terror de te amar - Sophia de Mello Breyner Andresen


Terror de te amar
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo 

Mal de te amar neste lugar de imperfeição 
Onde tudo nos quebra e emudece 
Onde tudo nos mente e nos separa. 

Que nenhuma estrela queime o teu perfil 
Que nenhum deus se lembre do teu nome 
Que nem o vento passe onde tu passas. 

Para ti eu criarei um dia puro 
Livre como o vento e repetido 
Como o florir das ondas ordenadas. 

Os erros - Sophia de Mello Breyner Andresen


Os erros
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

A confusão a fraude os erros cometidos 
A transparência perdida — o grito 
Que não conseguiu atravessar o opaco 
O limiar e o linear perdidos 

Deverá tudo passar a ser passado 
Como projecto falhado e abandonado 
Como papel que se atira ao cesto 
Como abismo fracasso não esperança 
Ou poderemos enfrentar e superar 
Recomeçar a partir da página em branco 
Como escrita de poema obstinado? 

De um amor morto fica - Sophia de Mello Breyner Andresen


De um amor morto fica 
Um pesado tempo quotidiano 
Onde os gestos se esbarram 
Ao longo do ano 

De um amor morto não fica 
Nenhuma memória 
O passado se rende 
O presente o devora 
E os navios do tempo 
Agudos e lentos 
O levam embora 

Pois um amor morto não deixa 
Em nós seu retrato 
De infinita demora 
É apenas um facto 
Que a eternidade ignora 

Sophia de Mello Breyner Andresen

Apesar das ruínas e da morte -


Apesar das ruínas e da morte, 
Onde sempre acabou cada ilusão, 
A força dos meus sonhos é tão forte, 
Que de tudo renasce a exaltação 
E nunca as minhas mãos ficam vazias. 

Sophia de Mello Breyner Andresen

Em nome - Sophia de Mello Breyner Andresen


Em nome
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Em nome da tua ausência
Construí com loucura
Uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei...

Ausência - Sophia de Mello Breyner Andresen


Ausência
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Eis-me - Sophia de Mello Breyner Andresen


Eis-me 
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Tendo-me despido de todos os meus mantos 
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses 
Para ficar sozinha ante o silêncio 
Ante o silêncio e o esplendor da tua face 

Mas tu és de todos os ausentes o ausente 
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca 
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras 
E o teu encontro 
São planícies e planícies de silêncio 

Escura é a noite 
Escura e transparente 
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco 
E eu não habito os jardins do teu silêncio 
Porque tu és de todos os ausentes o ausente 

Aqui - Sophia de Mello Breyner Andresen


Aqui, deposta enfim a minha imagem, 
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem, 
No interior das coisas canto nua. 

Aqui livre sou eu — eco da lua 
E dos jardins, os gestos recebidos 
E o tumulto dos gestos pressentidos, 
Aqui sou eu em tudo quanto amei. 

Não por aquilo que só atravessei, 
Não pelo meu rumor que só perdi, 
Não pelos incertos actos que vivi, 

Mas por tudo de quanto ressoei 
E em cujo amor de amor me eternizei. 

Sophia de Mello Breyner Andresen

Com Fúria e Raiva - Sophia de Mello Breyner Andresen


Com Fúria e Raiva
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Com fúria e raiva acuso o demagogo 
E o seu capitalismo das palavras 

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada 
Que de longe muito longe um povo a trouxe 
E nela pôs sua alma confiada 

De longe muito longe desde o início 
O homem soube de si pela palavra 
E nomeou a pedra a flor a água 
E tudo emergiu porque ele disse 

Com fúria e raiva acuso o demagogo 
Que se promove à sombra da palavra 
E da palavra faz poder e jogo 
E transforma as palavras em moeda 
Como se fez com o trigo e com a terra