Cruz na porta - Álvaro de Campos


Cruz na porta da tabacaria! 
Quem morreu? O próprio Alves? Dou 
Ao diabo o bem-estar que trazia. 
Desde ontem a cidade mudou. 

Quem era? Ora, era quem eu via. 
Todos os dias o via. Estou 
Agora sem essa monotonia. 
Desde ontem a cidade mudou. 

Ele era o dono da tabacaria. 
Um ponto de referência de quem sou 
Eu passava ali de noite e de dia. 
Desde ontem a cidade mudou. 

Meu coração tem pouca alegria, 
E isto diz que é morte aquilo onde estou. 
Horror fechado da tabacaria! 
Desde ontem a cidade mudou. 

Mas ao menos a ele alguém o via, 
Ele era fixo, eu, o que vou, 
Se morrer, não falto, e ninguém diria. 
Desde ontem a cidade mudou. 

Álvaro de Campos,
Heterônimo de Fernando Pessoa