Em tormentos cruéis - Sá de Miranda


Em tormentos cruéis, tal sofrimento, 
em tão contínua dor, que nunca aliva, 
chamar a morte sempre, e que ela, altiva, 
se ria dos meus rogos, no tormento! 

E ver no mal que todo entendimento 
naturalmente foge, e quanto aviva 
a dor mais o vagar da alma cativa, 
a quem não fará crer que é tudo um vento? 

Bem sei uns olhos, que têm toda a culpa, 
e são os meus, que a toda parte vêm 
após o que vêem sempre e os desculpa. 

Ó minhas visões altas, meu só bem, 
quem vos a vós não vê, esse me culpa, 
e eu sou o só que as vejo, outrem ninguém! 

Sá de Miranda