Sim, a minha virtude íntima - Bernardo Soares


Sim, a minha virtude íntima de ser frequentemente objetivo, e assim me extraviar de pensar-me, sofre, como todas as virtudes,  até como todos os vícios, decréscimos de afirmação. Então pergunto a mim mesmo como é que me sobrevivo, como é que ouso ter a covardia de estar aqui, entre esta gente, com esta igualdade certeira com eles, com esta conformação verdadeira com a ilusão de lixo deles todos? Ocorrem-me com um brilho de farol distante todas as soluções com que a imaginação é mulher - o suicídio, a fuga, a renúncia, os grandes gestos da aristocracia da individualidade, o capa e espada das existências sem balcão.

Livro do Desassossego
Bernardo Soares,
Heterônimo de Fernando Pessoa